LEI Nº 18.200, DE 13 DE SETEMBRO DE 2021

Procedência: Dep. Fabiano da Luz

Natureza: PL./0310.1/2019

DOE: 21.605, de 14/09/21

Fonte: ALESC/GCAN.

Institui a Política Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica (PEAPO).

O GOVERNADOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA

Faço saber a todos os habitantes deste Estado que a Assembleia Legislativa decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Fica instituída a Política Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica (PEAPO), com o objetivo de promover e incentivar o desenvolvimento da agroecologia e dos sistemas orgânicos de produção e extrativismo sustentável, assim como, sistemas em processos de transição agroecológica, contribuindo para a sustentabilidade e a qualidade de vida das populações do campo, da floresta, e da cidade, por meio da oferta e consumo de alimentos saudáveis a todos e do uso sustentável dos recursos naturais.

§ 1º A PEAPO será implementada pelo Estado em regime de cooperação com a União, os Municípios, as organizações da sociedade civil e outras entidades privadas, de acordo com as diretrizes e normas da agroecologia e da agricultura orgânica.

§ 2º Para a implementação da PEAPO poderão ser criadas e fortalecidas instâncias de gestão que tenham a participação da sociedade civil.

Art. 2º As ações da PEAPO serão destinadas preferencialmente aos agricultores familiares, aos agricultores urbanos e aos povos e comunidades tradicionais.

Art. 3º Para fins desta Lei considera-se:

I – agroecologia: campo do conhecimento transdisciplinar que trata do manejo dos agroecossistemas e das relações humanas para promover o equilíbrio ecológico, a valorização da biodiversidade local, a regeneração e melhoria do solo, a otimização e a manutenção da capacidade produtiva, a eficiência econômica, a equidade social e a soberania e a segurança alimentar e nutricional, por meio da integração de conhecimentos científicos, práticas sociais diversas e saberes e culturas populares e tradicionais de base ecológica, e de sistemas agroalimentares holísticos e complexos;

II – sistema orgânico de produção: aquele em que são adotadas técnicas específicas, em conformidade com a legislação orgânica vigente, as quais promovam a restauração e preservação ambiental e a conservação da biodiversidade local, mediante a otimização do uso dos recursos naturais e socioeconômicos disponíveis e o respeito à integridade cultural das comunidades rurais, urbanas e dos povos e comunidades tradicionais;

III – produto orgânico: oriundo de sistema orgânico de produção ou extrativismo sustentável orgânico, in natura ou processado, comprovado por mecanismos de controle da qualidade orgânica. O conceito de produto orgânico abrange os denominados ecológico, biodinâmico, da agricultura natural, regenerativo, biológico, agroecológico, permacultura e outros que atendam à legislação da produção orgânica;

IV – transição agroecológica: processo gradual de mudança de práticas e de manejo de agroecossistemas, tradicionais ou convencionais, por meio da transformação das bases produtivas e sociais do uso da terra e dos recursos naturais, que levem a sistemas de agricultura que incorporem princípios e tecnologias de base ecológica;

V – agricultor familiar: aquele que pratica atividade agropecuária, extrativista ou outras, conforme requisitos especificados nos termos da Lei federal nº 11.326, de 24 de julho de 2006, ou a que venha substituí-la;

VI – agricultor urbano: aquele que desenvolve atividades agropecuárias, extrativistas e de transformação nos espaços urbanos, articuladas com a gestão territorial e ambiental das cidades, voltadas ao autoconsumo, trocas, doações ou comercialização, de forma segura, eficiente e sustentável;

VII – povos e comunidades tradicionais: grupos culturalmente diferenciados que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição;

VIII – desenvolvimento sustentável: desenvolvimento que satisfaz as necessidades de bem viver do presente, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades, e considera de maneira indissociável as dimensões econômicas, sociais, ambientais e culturais;

IX – agrobiodiversidade: diversidade genética de espécies cultivadas ou manejadas e a riqueza dos processos funcionais dos agroecossistemas, resultante da interação entre as populações tradicionais, agricultores familiares e urbanos e ecossistemas locais, que podem ao longo do tempo originar variedades, espécies ou paisagens, adaptadas às condições ecológicas locais;

X – sociobiodiversidade: resultado da inter-relação entre a biodiversidade e a diversidade sociocultural das populações tradicionais e dos agricultores familiares e urbanos, que se expressa por meio de sistemas agrícolas e extrativistas tradicionais, da agrobiodiversidade, dos conhecimentos, das culturas, hábitos, tradição e no manejo dos recursos naturais;

XI – serviços ambientais: as funções ecossistêmicas desempenhadas pelos sistemas naturais que resultam em condições adequadas à sadia qualidade de vida, de acordo com as diretrizes e normas da Política Estadual de Serviços Ambientais;

XII – certificação orgânica: ato pelo qual um Organismo de Avaliação da Conformidade Orgânica, certificadora por auditoria ou sistemas participativos de avaliação da conformidade, devidamente credenciado no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), garante que um produto ou um processo está em conformidade com a legislação brasileira da produção orgânica;

XIII – segurança alimentar e nutricional: consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e ancestral e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis;

XIV – Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER): serviço de educação não formal, de caráter integral e continuado, que promove processos de gestão, produção, beneficiamento e comercialização de produtos e serviços agropecuários e não agropecuários, inclusive das atividades socioculturais, ambientais, agroflorestais, agroextrativistas, florestais e artesanais, tanto no ambiente rural quanto no urbano;

XV – extrativismo sustentável orgânico: conjunto de práticas associadas ao manejo sustentado dos recursos naturais de origem animal, vegetal ou mineral, orientadas pelo uso do conhecimento e práticas tradicionais e ancestrais, combinados ou não com conhecimentos técnico-científicos, em ecossistemas nativos ou modificados que não dependam do uso sistemático de insumos externos e que seja garantida a continuidade de suas estruturas e funções;

XVI – educação popular: concepção de educação e movimento que utilizam metodologias e práticas pedagógicas que respeitam as especificidades culturais, sociais (gênero, geração, raça/etnia), ambientais, políticas, econômicas e valoriza o protagonismo dos sujeitos nas lutas pela terra e vida com ênfase na agroecologia;

XVII – produtos fitossanitários para a agricultura orgânica: categoria de produtos para controle de pragas, doenças e plantas invasoras estabelecidos na Lei federal nº 10.831, de 23 de dezembro de 2003, Decretos Presidenciais nº 6.913, de 23 de julho de 2009 e nº 7.794, de 20 de agosto de 2012;

XVIII – conversão para a produção orgânica: transição de um sistema de produção não orgânico para sistema de produção orgânico onde comprovadamente são atendidos todos os requisitos aplicáveis da legislação orgânica vigente, durante determinado período de tempo;

XIX – produtor orgânico: toda a pessoa física ou jurídica responsável pela geração de produto orgânico, seja ele in natura ou processado, obtido em sistema orgânico de produção ou oriundo de processo extrativista sustentável orgânico;

XX – Organismo de Avaliação da Conformidade Orgânica (OAC): instituição que avalia, verifica e atesta que produtos ou estabelecimentos produtores atendem ao disposto no regulamento da produção orgânica, podendo ser uma Certificadora ou Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade;

XXI – Organização de Controle Social (OCS): entidade com objetivo de gerar credibilidade, organizada a partir da interação de pessoas ou organizações, sustentada na participação, comprometimento, transparência e confiança das pessoas envolvidas no processo de geração de credibilidade;

XXII – biodiversidade: é a variedade entre organismos vivos de todas as origens, incluindo ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos, bem como os complexos ecológicos dos quais eles fazem parte, incluindo a diversidade dentro de uma mesma espécie, entre espécies diferentes e entre ecossistemas;

XXIII – produção de base agroecológica: aquela que busca otimizar a integração entre capacidade produtiva, uso e conservação da biodiversidade e dos demais recursos naturais, equilíbrio ecológico, eficiência econômica e justiça social, abrangida ou não pelos mecanismos de controle de que trata a Lei federal nº 10.831, de 2003, e sua regulamentação; e

XXIV – consumo consciente: é uma contribuição voluntária, cotidiana e solidária, consciente de seu impacto na economia, nas relações sociais e na natureza, voltado à sustentabilidade da vida no planeta.

Art. 4º Esta Política Estadual orientar-se-á pelos seguintes princípios:

I – o desenvolvimento sustentável;

II – a inclusão, a participação e o protagonismo social;

III – a preservação, conservação, restauração e regeneração ambiental;

IV – a soberania e segurança alimentar e nutricional;

V – a equidade socioeconômica, de gênero e étnica;

VI – a valorização da biodiversidade e das diversidades sociocultural, territorial e da paisagem;

VII – o reconhecimento e a valorização dos movimentos agroecológicos e dos saberes da agricultura familiar e dos povos e comunidades tradicionais, integrando-se aos conhecimentos científicos;

VIII – a resiliência social e ambiental;

IX – o empoderamento e o protagonismo dos agricultores familiares e urbanos, dos povos e comunidades tradicionais;

X – a eficiência no uso dos recursos naturais, visando à baixa ou nenhuma dependência de insumos externos e de recursos não renováveis;

XI – a promoção do consumo consciente;

XII – o reconhecimento da unidade de produção orgânica como prestadora de serviços ambientais;

XIII – o incentivo à regularização ambiental, dos imóveis, das atividades produtivas e do uso da água e à gestão sustentável das unidades produtivas.

Art. 5º São objetivos da PEAPO:

I – ampliar e fortalecer a produção, o processamento e o consumo de produtos agroecológicos, orgânicos e em transição agroecológica, com ênfase nos mercados locais e regionais;

II – promover, ampliar e consolidar o acesso, o uso e a conservação dos bens naturais pelos agricultores;

III – consolidar e implantar instrumentos regulatórios, fiscais, creditícios, de incentivo e de pagamento por serviços ambientais para proteção e valorização das práticas tradicionais de uso e conservação da agrobiodiversidade, produção orgânica e conversão para a produção orgânica;

IV – ampliar a capacidade de geração e socialização de conhecimentos em agroecologia, produção orgânica e transição agroecológica por meio da valorização dos conhecimentos locais e do enfoque agroecológico nas instituições de ensino, pesquisa e ATER;

V – ampliar e consolidar programas de pesquisa, assistência técnica e extensão rural e educação popular, estatais e não estatais, com foco na produção orgânica e agroecológica;

VI – assegurar a participação da sociedade civil na elaboração de programas, projetos de pesquisa, ensino e assistência técnica e extensão rural da produção orgânica agroecológica;

VII – estruturar um sistema de informações compartilhadas sobre a produção orgânica e agroecológica e da conversão para a produção orgânica;

VIII – estimular e fortalecer a produção de insumos para produção orgânica e agroecológica;

IX – estruturar e desenvolver os arranjos dos sistemas orgânicos de produção, distribuição e comercialização de produtos, propágulos e sementes, prioritariamente orgânicos, crioulos e tradicionais;

X – promover a divulgação do produto orgânico e em conversão;

XI – estimular as atividades extrativistas sustentáveis orgânicas;

XII – fortalecer a gestão e a manutenção dos bens comuns para conservação da sociobiodiversidade e agrobiodiversidade;

XIII – implementar, fortalecer e internalizar a concepção agroecológica com abordagem transversal nas e entre as instituições públicas e nas políticas públicas;

XIV – aumentar a oferta de produtos orgânicos e de espaços de comercialização, priorizando as cadeias curtas, os empreendimentos cooperativos e a economia solidária;

XV – fortalecer as organizações da sociedade civil, redes institucionais, redes sociais de economia solidária, cooperativas, associações e empreendimentos econômicos que promovam, assessorem e apoiem a agroecologia, a produção orgânica e o consumo consciente e sustentável;

XVI – garantir que as políticas de desenvolvimento produtivo estejam em consonância com a legislação vigente e com as necessidades sociais, ambientais e aptidões agrícolas de cada região do Estado;

XVII – incentivar a permanência da população no meio rural e a sucessão nas propriedades rurais;

XVIII – fortalecer a participação das mulheres e da juventude rural na produção orgânica e de base agroecológica;

XIX – reduzir as desigualdades de gênero e geração;

XX – implementar, fortalecer e internalizar programas de redução do uso de agrotóxicos e variedades transgênicas e os programas de fiscalização do uso e monitoramento de resíduos de agrotóxicos;

XXI – incentivar e fortalecer a produção orgânica em áreas urbanas;

XXII – promover o acesso a mecanismos de garantia da conformidade orgânica;

XXIII – incentivar os Municípios a criarem e desenvolverem suas políticas municipais de agroecologia e produção orgânica e seus Planos Municipais de Agroecologia e Produção Orgânica;

XXIV – promover, ampliar e priorizar o acesso à água para consumo humano, animal e produção agroecológica e orgânica;

XXV – promover o uso e a conservação dos recursos genéticos vegetais e animais;

XXVI – promover e ampliar o acesso à terra, às ações de reordenamento, regularização fundiária e demarcação e regularização dos territórios dos povos e comunidades tradicionais e parques aquícolas;

XXVII – incentivar a criação de territórios livres de transgênicos e agrotóxicos;

XXVIII – fortalecer o turismo agroecológico;

XXIX – promover a interação das atividades produtivas e políticas públicas com o Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) e Zoneamentos Agrícolas;

XXX – priorizar produtos orgânicos e em conversão para produção orgânica nas compras governamentais; e

XXXI – contribuir para a proteção do ambiente e do clima.

Art. 6º São instrumentos da PEAPO, entre outros:

I – o Plano Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica (PLEAPO) e seus congêneres no âmbito municipal e territorial, contendo no mínimo, os seguintes elementos:

1 – diagnóstico;

2 – estratégias e objetivos;

3 – programas, projetos e ações;

4 – indicadores, metas e prazos;

5 – monitoramento e avaliação;

II – a Política Estadual de Educação Ambiental;

III – a pesquisa agropecuária, assistência técnica e extensão rural especializadas em agroecologia e produção orgânica;

IV – a inspeção e fiscalização agropecuária e ambiental;

V – a formação profissional e a educação do campo;

VI – a comercialização e o acesso a mercados;

VII – as compras governamentais de produtos orgânicos e em conversão para a produção orgânica;

VIII – a certificação e cadastro de organizações de controle social;

IX – as medidas sanitárias e ambientais diferenciadas que favoreçam a produção orgânica e em conversão para a produção orgânica;

X – o armazenamento e o abastecimento;

XI – os convênios, as parcerias e os termos de cooperação com entidades públicas e privadas;

XII – os fundos estaduais e seus programas;

XIII – a educação e a capacitação técnica;

XIV – o crédito rural e o seguro agrícola;

XV – o cooperativismo, o associativismo e a economia solidária;

XVI – o pagamento por serviços ambientais;

XVII – o monitoramento de resíduos de agrotóxicos em água, humanos e demais compartimentos ambientais;

XVIII – Programa Estadual de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos;

XIX – mecanismos de controle da transição agroecológica, da produção orgânica e de base agroecológica;

XX – o monitoramento dos preços da produção orgânica;

XXI – os Editais Públicos de incentivo a projetos de produção orgânica;

XXII – Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e outros que o venham a substituir;

XXIII – Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e outros que o venham a substituir;

XXIV – a publicidade governamental;

XXV – a educação continuada e a capacitação em serviço dos profissionais.

Art. 7º Poderão constituir fontes de financiamento da Política Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica:

I – recursos do Tesouro do Estado de Santa Catarina;

II – recursos oriundos de outros entes da Federação;

III – recursos de fundações, empresas públicas e privadas, instituições financeiras, organismos multilaterais e organizações não governamentais;

IV – recursos de fundos estaduais;

V – recursos oriundos de operações de crédito;

VI – recursos provenientes de infrações ambientais;

VII – recursos provenientes da União e suas empresas, autarquias, agências e fundações;

VIII – recursos oriundos de outros países ou instituições internacionais; e

IX – recursos oriundos dos Poderes Legislativo e Judiciário.

Art. 8º O Poder Executivo regulamentará a presente Lei, nos termos do inciso III do art. 71 da Constituição do Estado de Santa Catarina.

Art. 9º As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias e/ou existentes, consignadas no orçamento vigente, suplementadas se necessárias, inclusive nos orçamentos futuros.

Art. 10. Fica o Poder Executivo autorizado a conceder tratamento tributário diferenciado aos produtos orgânicos, insumos, tecnologias, máquinas e equipamentos destinados ao desenvolvimento da produção orgânica.

Art. 11. Esta Lei entra em vigor no prazo de 120 (cento e vinte) dias a contar da data de sua publicação.

Florianópolis, 13 de setembro de 2021.

CARLOS MOISÉS DA SILVA

Governador do Estado